Do Ocidente ao Oriente: Rui Ribeiro partilha um pouco da sua experiência musical na China

Após uma década de colaboração com orquestras, grupos instrumentais e artistas chineses, e de ter dirigido dezenas de concertos em território chinês, Rui Ribeiro partilha a sua experiência em aproximar culturas distintas em terras orientais.

"A música é a plataforma onde nos encontramos, nos entendemos e partilhamos emoções", afirma Rui Ribeiro, resumindo o que tem sido a sua experiência em diversos palcos internacionais. A China, onde tem colaborado com músicos de todo o país, tem sido um dos cenários mais marcantes da sua carreira. "Dirigir uma orquestra na China, do ponto de vista estritamente musical, não me trouxe desafios diferentes dos que enfrento em Portugal, porque temos essa linguagem em comum: a música", refere. A relação de Rui Ribeiro com a China começou em 2015, quando visitou o país como turista. "Não tinha qualquer intenção de ficar, muito menos de colaborar com músicos ou artistas locais", recorda. No entanto, o acaso levou-o a conhecer músicos, compositores, artistas e produtores que rapidamente o integraram no cenário musical chinês. "Foi muito natural. Acabei por aceitar um desafio que surgiu: escrever um concerto para orquestra, misturando música tradicional chinesa com elementos ocidentais", conta. "Acredito que a fusão de diferentes culturas, pontos de vista e ideias pode gerar algo realmente especial, e por isso aceitei sem hesitar, ainda que estivesse, tecnicamente, de férias!", relembra o compositor.

Para Rui Ribeiro, a colaboração com músicos chineses foi uma experiência enriquecedora, tanto musical como pessoalmente. "Os chineses podem ser tímidos, mas são extremamente curiosos e dedicados. Identifiquei-me imediatamente com essa forma de ser", partilha. Rui menciona que, ao longo dos anos, aprendeu a falar mandarim para melhorar a comunicação com os músicos. "Hoje já consigo comunicar em mandarim de forma básica, e isso fortaleceu muito a minha ligação com eles", diz com satisfação.

Uma das maiores surpresas que Rui Ribeiro encontrou na China foi o nível de especialização das equipas de produção. "Em Portugal, somos uns autênticos 'faz-tudo', acumulamos frequentemente várias funções num projeto. Na China, há assistentes para tudo", comenta o compositor, ainda surpreendido com o rigor e organização do processo. "Uma vez, um assistente perguntou-me sobre a espessura e cor do papel para as partituras dos músicos, e eu pensei: 'Hã? Em Portugal, eu próprio teria de imprimir as partituras e levá-las para os ensaios, isto em grandes produções!”. Admitindo que essa estrutura lhe permitiu trabalhar de forma mais eficiente e concentrar-se exclusivamente na parte criativa, acaba também por referir que a realidade portuguesa não é necessariamente negativa: "Lembro-me de um episódio interessante que revela o quão multidisciplinar um português pode ser. Num soundcheck antes de um concerto em Pequim, em 2017, que envolvia uma pequena orquestra de câmara, alguns instrumentos tradicionais chineses, banda com bateria, baixo, guitarra, piano e alguns cantores, eu não estava confortável com o som nos meus in-ears e dirigi-me diretamente ao técnico de som de palco. Disse-lhe que preferia não ter compressão no master porque estava a esmagar o som e a cortar a dinâmica, que havia um certo enrolar nos graves à volta dos 120Hz, que não ouvia bem os microfones de overhead da bateria, que as vozes estavam com uma reverberação muito longa e alta, e que os naipes da secção de cordas não estavam bem equilibrados entre si. O técnico, um senhor experiente na casa dos 50 anos de idade, ficou com os olhos esbugalhados durante uns segundos, e de imediato fez as alterações que eu havia pedido de forma exímia. No fim do concerto, veio falar comigo e disse que nunca tinha ouvido um maestro a pedir alterações no som com tanto detalhe em 30 anos de experiência. Eu pensei: 'É este o superpoder de ser português!'. Acabámos os dois a jantar, com mais metade da orquestra, a trocar histórias de vida", refere o compositor com humor.

Além da parte técnica, Rui reflete sobre o preconceito comum de que os músicos chineses são mais "frios" na interpretação musical: "Talvez esse preconceito tenha origem no facto de os chineses não exteriorizarem tanto as suas emoções como um ocidental, mas isso não significa que sintam menos. O maior elogio que posso ter de um público na China é quando, no final de uma música com profundidade emocional, existe aquele silêncio em que a música ressoa pela sala e estão milhares de pessoas em silêncio, numa comunhão de sentimentos... só depois vem o aplauso. Acredito que conseguir ter uma multidão em silêncio é muito mais difícil do que ter uma multidão a exprimir-se de forma vocal. Não significa que exteriorizar sentimentos seja inferior, nem que interiorizá-los seja uma forma superior de sentir... ambas são legítimas. Dito isto, tanto o músico quanto o ouvinte chinês são altamente sensíveis e amam profundamente a música. Aliás, depois de ter percorrido tanto Portugal quanto a China em digressões, é muito mais frequente ver chineses a cantar, tocar instrumentos ou dançar na rua. Por isso, é um erro pensar que na China existe menos apreciação pela música, ou que os chineses são mais 'frios' na sua apreciação ou na sua interpretação."

Rui Ribeiro também destaca a cultura das versões musicais na China, que se distingue da realidade portuguesa: "Em Portugal, é raro que uma versão de uma canção tenha mais sucesso do que a original. Existem algumas exceções à esmagadora regra, mas na China, isso acontece com frequência e sem preconceito em relação às versões." Rui compara essa prática à música clássica: "Assim como na música clássica, onde ouvimos constantemente novas interpretações de obras criadas há séculos e mantemos interesse nas diferentes interpretações de maestros, orquestras ou instrumentistas, o mesmo ocorre em todos os géneros musicais na China, desde o tradicional ao pop." Embora esta abordagem levante por vezes alguma controvérsia sobre questão autoral que, segundo o compositor, aparenta ser ainda um pouco "cinzenta", vê nela também uma oportunidade para a renovação contínua do repertório. Rui partilha um episódio curioso: "Uma vez enviei partituras de uma canção re-arranjada por mim a um cliente, que me alertou para nunca mais enviar partituras sem marca de água, pois poderiam ser disponibilizadas online com outra autoria em poucos dias!" Apesar dessa preocupação, Rui Ribeiro aponta o lado positivo: "Esta abordagem permite a atualização constante de repertórios que poderiam desaparecer de outra forma. Fui convidado para re-arranjar e orquestrar música tradicional chinesa para orquestras modernas, bem como adaptar canções chinesas a contextos mais contemporâneos, e acredito que seria interessante ver mais abertura deste tipo em Portugal, sempre respeitando os direitos de autor", conclui o compositor.

A adaptação à cultura chinesa foi gradual. "Os chineses não gostam de confrontos diretos, evitam o conflito a todo o custo, e são muito cordiais. Podem sorrir enquanto, na verdade, estão ansiosos por sair da conversa", explica Rui Ribeiro, rindo-se da dificuldade inicial em interpretar as intenções dos seus colegas. "Mas rapidamente aprendi a ler as suas microexpressões e linguagem corporal, o que tornou a comunicação muito mais fluida."

Com várias digressões e projetos realizados no país, Rui Ribeiro afirma que ainda conhece apenas uma pequena parte da China. "A China é imensa. Digo sempre aos meus amigos: se em Portugal notamos diferenças entre um lisboeta e um alentejano ou entre um transmontano e um açoriano, imagine-se num país com a dimensão da China, com 23 províncias que, na sua maioria, são maiores que países como a França ou a Alemanha", reflete. Para o compositor, essa diversidade é uma das grandes riquezas do país, algo que continua a inspirá-lo a explorar e criar novas fusões musicais. "Acredito que a música tem um papel fundamental na promoção da tolerância e na compreensão das diferenças", afirma. A sua experiência na China é prova viva disso, mostrando como a música pode unir culturas e construir pontes onde antes existiam apenas barreiras.

Equipa Rui Ribeiro

Rui Ribeiro e músicos chineses, em 2017, numa fotografia tirada em palco antes de um dos muitos concertos que dirigiu na China

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