Instrumentos virtuais de orquestra - bênção ou maldição?
Rui Ribeiro partilha a sua visão sobre a utilização de instrumentos virtuais na criação de um som orquestral contemporâneo, abordando tanto as suas vantagens e desvantagens quanto a importância fundamental do estudo da orquestração para alcançar resultados convincentes.
O compositor e produtor Rui Ribeiro tem acompanhado de perto a evolução da tecnologia musical, especialmente no campo dos instrumentos virtuais. Em declarações recentes, refletiu sobre o impacto destas ferramentas nas produções orquestrais e sobre como transformaram a indústria. A sua visão oferece uma perspetiva detalhada sobre a transição dos métodos tradicionais para os contemporâneos, sem deixar de abordar os desafios e as oportunidades que surgiram com essa evolução.
Uma nova era de possibilidades tecnológicas
"Longe vai o tempo em que a única forma de conseguirmos ter um som de orquestra numa gravação era... levar uma orquestra para dentro de um estúdio e gravá-la", começa Rui Ribeiro, lembrando os primeiros tempos da produção orquestral. O compositor destaca que, embora muitos possam pensar que os instrumentos virtuais são uma inovação recente, esta tecnologia começou a emergir já na segunda metade dos anos 80. "Se não estou em erro, a Prosonus Orchestral Collection, que surgiu nessa altura, foi a primeira livraria de instrumentos virtuais disponível comercialmente, sendo mais tarde adaptada aos famosos samplers da AKAI e seus sistemas", explica Rui, sublinhando o impacto que esta ferramenta teve, embora estivesse acessível apenas a grandes empresas devido ao seu preço elevado, que rondava os 10.000 dólares americanos na altura.
Rui recorda o momento em que começou a utilizar instrumentos virtuais pela primeira vez, já nos anos 2000: "O primeiro instrumento virtual de orquestra que utilizei foi o IK Multimedia Miroslav Philharmonik." Gravado em Praga, no Dvorak Symphony Hall, com músicos da Orquestra Filarmónica Checa, esta ferramenta marcou uma mudança significativa nas opções disponíveis no mercado da altura. "Lembro-me de pensar, 'wow, posso mesmo ter à minha disposição os recursos musicais infindáveis e a profundidade emocional de uma orquestra para as minhas composições, aqui no meu computador?'"
No entanto, o compositor é realista quanto às limitações iniciais da tecnologia: "Bem... o soar bem já é discutível... um pouco à semelhança do que eram os jogos de computador nos anos 90, em que olhávamos para o monitor e dizíamos 'wow, que gráficos incríveis, parece mesmo real!', mas era mais pela excitação dessa possibilidade do que pelos gráficos em si. A mesma coisa acontecia quando eu utilizava o IK Multimedia Miroslav Philharmonik nos anos 2000, e tantos outros semelhantes que se seguiram: soavam, para ser franco, bastante mal, e muito longe do que seria uma gravação com uma orquestra em estúdio, a interpretarem uma partitura escrita. Era mais a excitação de ter essa possibilidade e a crença de que a técnica de produzir estes instrumentos virtuais iria desenvolver-se muito mais no futuro... e assim foi."
Duas décadas de evolução tecnológica
Ao refletir sobre as duas décadas que se seguiram, Rui Ribeiro assinala uma evolução notável: "Hoje em dia, uma percentagem bastante alta da música orquestral que ouvimos em televisão, cinema e media em geral foi, na realidade, criada com instrumentos virtuais, sem que tenhamos essa consciência." O compositor e produtor fala também um pouco do processo de criação destes instrumentos: "A ideia germinal é, aparentemente, simples: coloca-se uma orquestra em estúdio e grava-se, naipe a naipe, solista a solista, todas as notas de cada instrumento, cada articulação, em todas as dinâmicas possíveis, diferentes técnicas de execução, diferentes microfones para termos variedade de captação, etc. No entanto, na realidade, isto não é verdadeiramente possível de alcançar, pois a combinação de todos os elementos em simultâneo gera uma infinidade de possibilidades que são, pelo menos até à data, impossíveis de replicar de forma totalmente fiel."
Apesar destas limitações, Rui Ribeiro enfatiza que o uso de instrumentos virtuais não significa que a qualidade seja sempre inferior à de uma orquestra real. "Se eu tiver a Orquestra Sinfónica de Londres num estúdio a gravar para mim, podem ter a certeza de que vai soar melhor que qualquer instrumento virtual. Mas e se for uma orquestra com uns músicos selecionados à pressa, sem nunca terem tocado juntos, e de nível técnico medíocre?" Ele vai mais longe, revelando que, em algumas situações, já substituiu gravações de músicos reais por instrumentos virtuais que soavam melhor: "Consequentemente, tudo depende de que músicos ou de que orquestra estamos a falar."
A fusão entre o real e o virtual: uma prática comum
Nos dias de hoje, a combinação entre músicos reais e instrumentos virtuais tornou-se uma prática cada vez mais frequente nas produções orquestrais. "Procuro sempre evitar os dois lados extremos da opinião sobre o uso de instrumentos virtuais: os que os rejeitam totalmente e os que acham que são sempre a melhor opção. Tudo depende do projeto e das necessidades musicais", afirma o compositor, destacando a importância de adaptar cada abordagem ao contexto da produção.
Um exemplo prático desta fusão, comum em muitas das suas produções, é o uso de instrumentos virtuais para secções de percussão não melódica orquestral. "O realismo é cada vez mais convincente no que respeita a estes instrumentos. Muitas vezes, se quero gravar instrumentos percussivos mais raros ou de grandes dimensões, recorro frequentemente a instrumentos virtuais." Além disso, Rui menciona o layering, ou seja, a adição de camadas para dobrar instrumentos, como os metais, criando um som mais poderoso: "A linguagem musical cinemática de Hollywood a que nos habituamos usa frequentemente um naipe de trompas alargado, com um som altamente penetrante, que não é fácil de alcançar com um naipe de 4 trompas numa sessão com uma orquestra convencional."
A questão económica e as limitações dos instrumentos virtuais
Para muitos produtores e compositores, o custo de gravar uma orquestra real é proibitivo, e os instrumentos virtuais oferecem uma solução mais acessível. "Gravar com uma orquestra profissional de alto nível, num bom estúdio, vai ser significativamente mais caro do que a compra (ou subscrição) de plugins de instrumentos virtuais", reconhece o compositor. Contudo, ele adverte que o uso de instrumentos virtuais pode não ser tão económico como parece à primeira vista: "Não só os mesmos estão em constante atualização, como, muitas vezes, será necessário combinar vários plugins para cobrir as fragilidades de cada um... e acreditem que serão muitas!"
Além do custo, há outra questão crucial: a estandardização sonora. Quando se utiliza um instrumento virtual, o som tende a tornar-se repetitivo. "Cada vez que uma orquestra real entra num determinado estúdio, o resultado vai ser sempre diferente. Com instrumentos virtuais, é muito fácil ficar-se farto de um som de um determinado fabricante por soar sempre igual." Rui Ribeiro faz ainda referência à violoncelista Tina Guo, célebre violoncelista que trabalha frequentemente com Hans Zimmer, e que colaborou com a CineSamples na criação de um instrumento virtual de violoncelo com o seu nome: "Ouvi-a dizer que reconhece frequentemente o seu instrumento virtual em diversas gravações, e até o apelida de 'Robot Guo' (risos). Confesso que também dou por mim a identificar uma série de instrumentos virtuais em várias gravações, filmes, publicidade, televisão, etc., o que só mostra que existe mesmo um perigo de tudo soar ao mesmo."
A necessidade de um conhecimento técnico alargado
Uma das reflexões mais relevantes de Rui Ribeiro é a importância de um profundo conhecimento de orquestração para tirar o máximo proveito dos instrumentos virtuais. O compositor refere: "É incrivelmente frequente ouvir colegas meus perguntarem-me: 'Que instrumentos virtuais estás a utilizar para conseguires este som?', para depois concluírem que estou a utilizar os mesmos que eles. Isto acontece porque tive a sorte de estudar orquestração e direção de orquestra, de ter a experiência regular de dirigir orquestras em ensaios, gravações e concertos, de estar imerso nas suas idiossincrasias e nos desafios técnicos inerentes à prática de cada instrumento, nos truques e manhas, e, acima de tudo, de ter o som real de uma orquestra gravado na minha memória, tanto no seu tutti como cada instrumento individual." O compositor prossegue: "É muito fácil cairmos no erro de acreditar que, como podemos carregar um instrumento virtual numa DAW em segundos, temos a capacidade de escrever música para orquestra", adverte. Para ele, o conhecimento detalhado das características e limitações de cada instrumento é essencial para evitar resultados pouco convincentes, e dá alguns exemplos: "Pôr um oboé a tocar a sua nota dó mais grave em pianíssimo vai soar pouco convincente, pois, embora seja possível no mundo virtual, é algo muito difícil de se conseguir no mundo real. Colocar um violino solo a tocar a sua nota sol mais grave em corda solta, ao mesmo tempo que toca o si imediatamente a seguir, não é possível devido à configuração e afinação do instrumento. Uma escala ascendente muito rápida pode ser idiomática numa flauta transversal, mas certamente não num trombone. Se um compositor que usa instrumentos virtuais não tiver um bom conhecimento das articulações e arcadas na secção de cordas, por exemplo, estará condenado a obter um resultado limitado ou insatisfatório. Estes exemplos básicos são apenas a ponta do iceberg. Recomendo a qualquer compositor que queira usar instrumentos virtuais que dedique um bom tempo ao estudo da orquestração, à leitura de partituras de obras de referência, ao diálogo com instrumentistas e à assistência a ensaios, para ganhar uma sólida base de conhecimento. É claro que depois é necessária uma boa técnica de sequenciação MIDI e domínio do ambiente de trabalho de uma DAW, mas, sem ter o ouvido afinado com o conhecimento necessário, nada disso funcionará, por muito bons que sejam os instrumentos virtuais em uso." O compositor conclui com uma analogia: "Abrir uma livraria de instrumentos virtuais de orquestra oferece uma imensa quantidade de ferramentas, mas, sem sabermos como usá-las, é como ter as peças de um motor de automóvel em cima de uma mesa... sem o conhecimento de mecânica, não conseguimos pôr o motor a funcionar."
Exemplos de alguns dos fabricantes de instrumentos virtuais de orquestra que Rui Ribeiro utiliza nas suas criações:
EAST WEST
CINESAMPLES
ORCHESTRAL TOOLS
SPITFIRE AUDIO
8DIO
VIR2
STREZOV SAMPLING
Equipa Rui Ribeiro